Enquanto a Câmara dos Deputados não analisa o Projeto de Lei nº 2.338/2023, de autoria do Senador Rodrigo Pacheco e aprovado no Senado Federal na versão do substitutivo apresentado pelo senador Eduardo Gomes, alguns entes subnacionais buscam preencher o vácuo deixado com relação à regulamentação da inteligência artificial no país. Neste ano, os estados do Paraná e de Goiás promulgaram legislações pioneiras para regulamentar o uso da inteligência artificial em nível estadual. Por sua vez, as Câmaras Municipais de Curitiba e do Rio de Janeiro são exemplos de Casas legislativas com iniciativas voltadas à regulamentação da matéria no nível municipal.
No caso do Paraná, a recém-aprovada Lei nº 22.324/2025 institui o Plano de Diretrizes de Inteligência Artificial na Administração Pública Estadual, com foco em eficiência, transparência e capacitação no uso de tecnologias de IA pelo poder público. Em termos da estrutura interna da Administração, a norma atribui papel central à Secretaria de Estado da Inovação e Inteligência Artificial, elencada como responsável por presidir o colegiado que realizará o monitoramento de projetos de Inteligência Artificial, a promoção de parcerias com o setor privado, a atualização contínua sobre tecnologias emergentes, o asseguramento da transparência das operações de Inteligência Artificial e a promoção de programas de capacitação contínua para servidores públicos.
Quanto ao conteúdo, o Plano apresentado tem forte ênfase na incorporação gradual dessas tecnologias pela própria Administração sem buscar se imiscuir na criação de normas mais amplas que impactem particulares. Além disso, não há o desenho de políticas específicas, mas opção por se ater a diretrizes amplas que colocam como horizonte a utilização de IA em consonância com os princípios que regem a Administração Pública – como transparência e eficiência.
A versão aprovada pelo Senado considerou, ainda, sete outras propostas que tramitavam naquela casa: PL nº 5.051/2019, PL nº 5.691/2019, PL nº 21/2020, PL nº 872/2021, PL nº 3.592/2023, PL nº 210/2024 e PL nº 266/2024. Para mais sobre a tramitação da matéria no Congresso Nacional, vide: “Senado aprova regulamentação da inteligência artificial; texto vai à Câmara” (10 dez. 2024) – Agência Senado. Acesso em: 07/07/2025.
Já em Goiás, a Lei Complementar nº 205/2025 estabelece uma Política Estadual de Fomento à Inovação em Inteligência Artificial abrangente e estruturada. Seu escopo vai desde diretrizes gerais, como a promoção da IA aberta e a proteção de direitos fundamentais, até dispositivos específicos sobre educação, saúde, agropecuária e infraestrutura digital.
Dentre os instrumentos inovadores criados pela norma goiana, destacam-se:
- o Sandbox Estadual Permanente de Inteligência Artificial, voltado à testagem de soluções tecnológicas em ambiente regulatório experimental;
- o Núcleo de Ética e Inovação em Inteligência Artificial (NEI-IA), órgão consultivo com função estratégica na formulação e acompanhamento das políticas públicas em IA.
Há ainda o incentivo explícito a modelos abertos e auditáveis de IA, com preferência por software livre nas contratações públicas, além da criação de programas como o “IA no Campo” e o “IA nas Escolas”. Essas iniciativas revelam uma aposta na capacitação técnica e inclusão produtiva da população como meios para garantir uma transição tecnológica justa.
Em ambas as legislações, a preocupação com a governança democrática da IA é visível — especialmente em Goiás, onde os sistemas automatizados que afetem direitos são obrigados a fornecer informações claras e acessíveis sobre seu funcionamento, além de garantirem direito à revisão humana das decisões automatizadas.
Tratando agora das legislações municipais:
A Lei nº 16.321/2024 de Curitiba define valores éticos e diretrizes que o Município deve seguir na implementação e utilização da IA. São elas:
- transparência (uso deve ser justificado);
- respeito à privacidade e proteção dos dados dos cidadãos (em atenção à LGPD);
- responsabilização (“indicação clara e precisa” dos responsáveis pelas tarefas delegadas à IA);
- inclusão (uso deve respeitar diversidade);
- prevenção (medidas de resguardo a eventuais danos gerados por decisão tomada com amparo em IA).
Curitiba já havia sido a primeira cidade do Brasil a contar com uma Secretaria Municipal de Inteligência Artificial e vinha utilizando serviços de IA para:
- agilizar a resposta de dúvidas sobre serviços municipais;
- monitorar o tráfego urbano;
- controlar prazos judiciais e automatizar tarefas repetitivas;
- inspecionar vias públicas.
Com a sanção da legislação pelo Prefeito, que também determinou a auditabilidade desses sistemas já utilizados pela administração pública, a cidade passou a ser também a primeira a regular a matéria no nível municipal.
De sua vez, o Rio de Janeiro editou a Lei municipal nº 8.926/2025, a qual instituiu o Programa sobre o uso responsável da IA no âmbito do município. Além de apresentar definições sobre “sistema de inteligência artificial”, “inteligência artificial generativa” e “algoritmo”, a legislação carioca também enumera princípios e diretrizes para uso da IA.
“a relevância da inteligência artificial para a inovação, o aumento da competitividade, o crescimento econômico sustentável e inclusivo e a promoção do desenvolvimento humano e social, sempre com vistas à possibilidade de promover a desburocratização e simplificação de processos no âmbito dos setores públicos do Município” (art. 3º da Lei).
Por fim, a legislação carioca previu a criação de “ambiente regulatório experimental para inovação em inteligência artificial”, a requerimento de entidades não determinadas e segundo requisitos que ainda serão detalhados em regulamento (vide art. 8º da Lei).
Esses esforços legislativos refletem a tentativa de estruturar um modelo regulatório que garanta o uso ético e benéfico da IA no âmbito público, ao mesmo tempo em que fomentam o ecossistema de inovação de maneira responsável. Embora ainda careçam de amadurecimento institucional e de provas de efetividade, tais normas representam movimentos significativos na direção de uma governança pública digital que busca respeitar os direitos fundamentais e promover o desenvolvimento sustentável.
Em um cenário de rápida evolução tecnológica e indefinições normativas em escala federal, os estados e municípios brasileiros vêm assumindo um papel protagonista na formulação de caminhos regulatórios para a IA. Contudo, considerando uma possível aprovação da legislação federal e o não questionamento – até o momento – das normas subnacionais perante o Supremo Tribunal Federal, ficam as dúvidas:
De quem deve ser a competência para regular a IA? Com a regulamentação da matéria a nível federal, o que restará aos estados e municípios?
Para mais, confira-se: “Greca sanciona Lei da Inteligência Artificial na administração pública de Curitiba” (22 abr. 2025) – Prefeitura de Curitiba. Acesso em: 07/07/2025.

